domingo, 8 de novembro de 2009

Ética na política



Ética na política
A população geralmente espera que o comportamento dos homens públicos seja irreprensível, baseado na honestidade, competência, dedicação ao bem comum. Daqueles que são eleitos para cargos públicos, seja no poder Executivo ou no Legislativo, exige-se que cumpram suas promessas de campanha, que defendam a opinião dos que os elegeram, que invistam o dinheiro arrecadado com impostos no atendimento às prioridades que melhorem a vida de todos.
Apesar dessas expectativas, não é incomum ver os meios de comunicação denúncias contra pessoas que usaram indevidamente seus cargos públicos em benefício pessoal ou na intermediação de vantagens e privilégios para seus amigos e “protegidos”. Se, por um lado, isso pode gerar uma desilusão em relação ao exercício do poder político, por outro nos dá a certeza de que práticas seculares estão vindo a público e são passíveis de punição, de acordo com o grau de mobilização da sociedade e transparência dos procedimentos para apuração de responsabilidades e castigo de culpados.
Embora os princípios éticos possam mudar conforme a época e o contexto em que ocorre um fato, parece haver um desejo universal de que os políticos que transgridem as normas de conduta sejam afastados dos cargos que exercem, sem prejuízo de eventualmente continuarem respondendo por seus erros no Judicário. Esse desejo ficou explícito em 1992, quando milhões de cidadãos foram às ruas para exigir o afastamento do então presidente Fernando Collor de Mello.
Primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar, Collor assumiu a presidência da República em março de 1990 cercado de enormes expectativas por causa da fama de “caçador de marajás” conquistada durante o governo no Estado de Alagoas. Na campanha eleitoral, seus discursos apontavam a urgência de implantar no Brasil um programa de modernização da economia, abrindo-a para o mercado mundial e acabando com monopólios estatais e reservas de mercado para empreas nacionais. Apesar de defender uma visão neoliberal, em que o Estado não deveria interferir na economia, sua primeira medida de impacto nessa área deu-se logo nos primeiros dias de governo com o confisco de todos os depósitos das cadernetas de poupança, numa ação típica de Estados fortes e centralizadores.
Essa ação, conhecidada como “Plano Collor”, visava combater a inflação, que havia chegado a 2.751% no ano anterior à sua posse. Apesar de o dinheiro ter sido devolvido aos correntistas, essa medida provocou enorme insegurança entre os investidores. A inflação, “congelada” durante um certo período, voltou assolar a economia, prejudicando principalmente os trabalhadores assalariados.
O governo Collor foi marcado por diversas medidas polêmicas, que rapidamente o fizeram perder apoio popular e no Congresso Nacional.
Entretanto, a maior surpresa para seus eleitores ocorreu em maio de 1992 com revelações feitas pelo próprio irmão do presidente, Pedro, acusando-o de corrupçaõ em entrevistas à imprensa. O tesoureiro da campanha presidencial de Collor, Paulo Cesar Farias, conhecido como PC, foi acusado de ser o “testa- de-ferro” do presidente, desviando milhões de cruzeiros (a nova moeda criada por Collor após sua posse) para contas bancárias abertas em “paraísos fiscais”, praticando tráfico de influência e montando uma rede de corrupção conhecida como “esquema PC”
As primeiras manifestações populares exigindo a saída de Collor da presidência foram organizadas pelos estudantes. Em diversas cidades do país, milhares de jovens saíram às ruas em passeatas, num movimento que ficou conhecido como “caras-pintadas” pelo fato de eles exibirem no rosto a pintura de palavras de ordem contra o presidente. A “voz das ruas” ganhou outras tribunas, unificando a oposição e causando o desmoronamento da base de apoio de Collor.
O Gongresso Nacional investigou as denúncias numa Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou os desvios praticados por PC Farias, concluindo pelo envolvimento do presidente no esquema de corrupção. Em outubro de 1992, Collor foi afastado provisoriamente do cargo, e menos de três meses depois foi declarado o impeachment que cassou seu mandato e o tornou inelegível por oito anos.
Deste então, a discussão sobre vínculos entre ética e política tem sido realizada com enfoque no tema “corrupção”. Como aponta o filósofo Renato Janine Ribeiro, esse reducionismo pouco tem contribuído para o aperfeiçoamento do debate político.
A divulgação pela mídia de inúmeros outros casos referentes à falta de ética na condução dos interesses públicos acaba contribuindo para consolidar idéias apoiadas no senso comum, tais como a de que “nenhum político presta”, como se o político não tivesse chegado lá graças aos votos dos eleitores, ou que “o serviço público é ineficiente”, como se os ocupantes dos cargos não tivessem que ser aprovados em concurso extremamente disputados. Esse tipo de ideia se forma pelo conhecimento da exceção, e não da regra, gerando a impressão de que o normal é que prevaleça o comportamento antiético.
Embora seja possível encontrar casos de procedimentos impróprios em todos os governos, sejam eles municipais, estaduais ou federal, os mecanismos de controle dessas práticas parecem estar mais fortemente associados ao nível de transparência dos atos administrativos e à articulação das organizações e entidades que fiscalizam o poder público do que aos discursos sensacionalistas que pregam a mudança de comportamento com apelos à ética.
Participação é um valor essencial para a consolidação da democracia, que, com todas as suas mazelas, ainda é o sistema política em que se pode expressar opiniões até sobre a falta de ética de alguns de seus governantes.

Fonte: DIMENSTEIN, Gilberto. Dez lições de Filosofia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD. 2008. Vol.Único p.168-170.

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